Honorários nas ações de cotas condominiais.
Fruto de muita discussão no âmbito dos escritórios de advocacia que atuam na área condominial, a cobrança de honorários advocatícios em percentuais dos valores em aberto das unidades inadimplentes sempre causa polêmica. Recentemente, uma síndica surgiu com uma dúvida sobre este tema a qual reproduzo de forma integral:
“A advogada do condomínio está fazendo a cobrança das taxas condominiais, incluindo nas mesmas 10% (dez por cento) em cima do débito, seus honorários advocatícios, mesmo àqueles que não foram para a justiça.
E ontem surgiu um questionamento na reunião da Comissão, que acham isso “ilegal” e alguém pode pagar, mas depois entrar na justiça contra o condomínio. Isso é passível gerar danos de indenização ou coisa parecida? Visto que, na última assembleia, disse que para não aumentar o valor que pagamos ao jurídico, ela cobraria o percentual sobre os inadimplentes? Eu entendo que inadimplentes são aqueles que têm taxas atrasadas, independente se entrarmos na justiça ou não. E foi aprovado em assembleia e consta em Ata. Como lido com essa situação?”
O questionamento é interessante e nos remete a algumas questões que merecem atenção. O primeiro fator é o fato gerador da cobrança dos honorários. Este decorre de um contrato (normalmente escrito) entre o síndico e um escritório de advocacia. A previsão dessa cobrança em porcentagem parte do princípio que o serviço de cobrança gera custos (de tempo e dinheiro) que precisam ser custeados não por quem já é responsável muitas vezes, por custear o contrato de consultoria e assessoria jurídica (extremamente necessário para uma boa gestão condominial), mas por aquele que gerou aquela demanda específica: o inadimplente.
É preciso fazer uma distinção, a relação condominial é essencialmente civil, gerida pelo Código Civil de 2002, e não de consumo, regido pelo Código de Defesa do Consumidor. Por essa natureza civilista aplicam-se as disposições dos negócios jurídicos para este contrato atípico (Art. 104 CC/02): 1) agente capaz; 2) objeto lícito, possível e determinável; 3) e forma prescrita ou não defesa em lei.
A capacidade do agente decorre da própria ata de eleição do síndico que, pela coletividade, é eleito como seu representante legal e administrativo. Como uma de suas competências é a de cobrar as contribuições dos condôminos (Art. 1.348, inciso VII, do CC/02) não existe nenhuma disposição em contrário para que este possa transferir a cobrança a terceiros. A licitude, por vez, parte da necessidade da cobrança dessas taxas condominiais em aberto (considerando ainda, que o CPC/15, passou a considerar o débito decorrente de taxa condominial é título executivo extrajudicial, Art. 784, inciso VIII). Por fim, a forma não defesa (ou proibida) em lei reside no fato em que estamos numa relação privada, logo, “o que não é proibido, é permitido”.
Partindo deste princípio, o síndico eleito possui a prerrogativa de gerir administrativamente o condomínio e pactuar contrato com os prestadores de serviços que julgar mais convenientes e alinhados com suas expectativas. Sendo assim, quando o síndico pactua com um escritório uma porcentagem em cima do débito do inadimplente a título de honorários não há ilegalidade, pois ele foi eleito para isso. E, neste caso, há prevalência do contrato.
Por cautela, alguns escritórios também submetem o próprio contrato (percentuais e forma de trabalho) às assembleias que é o órgão máximo de deliberação interna em qualquer condomínio, consignando-o em ata. Desta forma, ratificado em ata, o contrato ganha ainda mais força perante os condôminos que não podem alegar desconhecimento do mesmo, ainda que sem este ter sido submetido a assembleia (é papel de cada condômino fiscalizar e entender quem são os prestadores de serviço da “coisa comum”). Inclusive, há julgados nesse sentido:
APELAÇÃO. CONDOMÍNIO. AÇÃO DE COBRANÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRELIMINAR REJEITADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS COBRADOS EXTRAJUDICIALMENTE. AMPARO EM PACTUAÇÃO EXPRESSA ENTRE AS PARTES EM TERMO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. Inocorre cerceamento de defesa quando o Juízo, com base no princípio da livre admissibilidade da prova e no disposto no art. 130 do CPC, e diante dos documentos e elementos constantes dos autos que bastam à formação do seu convencimento sobre as questões suscitadas pelas partes, profere julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, I, do CPC. Descabida a pretensão do réu de que sejam considerados indevidos os valores cobrados a título de honorários na esfera extrajudicial, vez que a respectiva cobrança teve amparo em obrigação a seu cargo pactuada pelas partes em termo de confissão de dívidas, sobre o qual não há vício que lhe enseje mácula. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70048068662, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Renato Alves da Silva, Julgado em 25/09/2014)
(TJ-RS – AC: 70048068662 RS, Relator: Luiz Renato Alves da Silva, Data de Julgamento: 25/09/2014, Décima Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 30/09/2014)
Perceba que, no caso em tela, a cobrança decorre de termo de confissão de dívida devidamente assinado pelas partes, logo é feito um negócio jurídico entre as partes, Condomínio (Credor) e Condômino Inadimplente (Devedor), que vincula as mesmas ao contrato.
Como dito, o contrato de cobrança condominial é atípico, vez que transfere ao devedor os custos da cobrança, mas não existe ilegalidade nisto. Por quê? Simples, é a própria inadimplência do condomínio que gera a necessidade da contratação de uma assessoria especializada em cobrança e obviamente, transferir esse custo ao próprio condomínio é onerá-lo duas vezes.
Nesta mesma linha, a cobrança extrajudicial de porcentagem é possível vez que decorre do contrato entre as partes. É preciso ressaltar que pela garantia constitucional do direito de ação, nada impede que o condômino inadimplente entre na justiça pleiteando o ressarcimento e eventuais indenizações morais decorrentes dessa cobrança. Conforme apresentado, entretanto, existem fundamentos jurídicos e argumentos que garantem a aplicabilidade dessa modalidade de cobrança, devendo o síndico e sua assessoria jurídica encontrarem a forma mais adequada de atuação das cobranças dos inadimplentes.
Artigo originalmente publicado na edição de Julho/2018 do Jornal do Síndico – Aracaju
Fonte: Jusbrasil